Já reafirmamos inúmeras vezes que a unidade autônoma é o santuário do condômino, seu refúgio, local aonde só ele tem acesso e onde só penetram pessoas por ele autorizadas. Tal privacidade, porém, pode ser quebrada em circunstâncias especiais, que requeiram a presença do síndico ou de prepostos do condomínio, para realizar trabalhos essenciais para a administração do prédio.
Decisão nesse sentido foi proferida pela Oitava Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (apelação cível n. 275.552-2/3-00), relatada pelo desembargador Aldo Magalhães, na qual os magistrados proferiram a seguinte decisão (ementa):
“O condômino está obrigado a permitir o acesso à área privativa se isso for indispensável para a realização de obras de conservação do edifício condominial.”
Do acórdão paulista podemos extrair algumas lições. Em primeiro lugar, registre-se o posicionamento do juiz de direito de 1o grau que julgou a ação declaratória improcedente em razão de haver impedimento legal e constitucional para que o condomínio ingresse na área privativa do condômino, porque o sistema legal assegura a inviolabilidade do domicílio, ressalvadas as situações excepcionais previstas no art. 5o, inciso XI, da Constituição Federal.Tal princípio continua válido e só pode ser quebrado em momentos excepcionais.
Em segundo lugar, como mostra o relator Aldo Magalhães, percebe-se facilmente dos autos que o condomínio não pretende seja judicialmente declarado que possa ingressar na área privativa do condômino mediante ação que configuraria uma invasão de domicílio; quer que lhe seja consentido utilizar a área externa do terraço privativo existente na cobertura para execução dos serviços de limpeza, restauração, pintura e rejuntamento de pastilhas da fachada externa do edifício. São obras a serem executadas em decorrência de deliberação da assembléia, necessárias à conservação da fachada e, portanto, do próprio edifício. Como enfatiza o relator, o condômino “está obrigado a agir de forma a torná-la possível, porque obstá-la equivale a ‘embaraçar o uso das partes comuns’, o que é expressamente vedado pelo art. 10, IV, da Lei 4.591/64”.
Uma terceira lição do acórdão é a de que, no dizer do magistrado, “o condomínio não tem o direito de invadir manu militari a área privativa do réu, devendo fazer valer esse direito pelos regulares meios se o réu voluntariamente não anuir ao seu exercício”. Em outras palavras, em hipótese alguma (salvo incêndio ou inundação) o síndico poderá invadir ou mandar invadir a unidade autônoma, devendo recorrer aos meios legais para obter a devida autorização, o que, nos dias atuais, tem-se conseguido com relativa facilidade, dada a pletora de medidas cautelares e preventivas colocadas à disposição das partes no nosso Judiciário.
Como fundamento legal de seu decisum, a Oitava Câmara do TJ/SP evoca, por analogia, o artigo 587 do Código Civil, que diz: “Todo o proprietário é obrigado a consentir que entre no seu prédio, e dele temporariamente use, mediante prévio aviso, o vizinho, quando seja indispensável à reparação ou limpeza, construção e reconstrução de sua casa. Mas, se daí lhe provier dano, terá direito a ser indenizado.”
Prédio, na época do Código Civil (1917), era o quintal da casa, não o seu interior. Daí por que, na atualidade, o acesso coercitivo de estranhos à unidade autônoma deve ser apreciado com redobrada cautela.
*Luiz Fernando de Queiroz